Se
for condenado em segunda instância no caso do tríplex de Guarujá (SP), o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode recorrer a cortes
superiores para garantir sua candidatura na eleição do próximo ano.
A Lei da Ficha Limpa impede que
candidatos condenados por órgão colegiados (formados por grupos) sejam
candidatos, mas um de seus artigos deixa uma abertura.
Ele estabelece que os tribunais
superiores, a pedido dos réus, podem suspender a inelegibilidade de
candidatos já condenados na Justiça. Seria uma espécie de liminar
concedida em meio à campanha.
Lula foi condenado no último dia 12 por
Sergio Moro a 9,5 anos de prisão por corrupção e lavagem e recorre em
liberdade. O caso irá para a segunda instância, o TRF (Tribunal Regional
Federal) da 4ª Região, com sede em Porto Alegre.
Se o TRF ratificar a decisão de Moro, o ex-presidente ficaria barrado da eleição de 2018.
Em um cenário em que a confirmação da
sentença saia antes do prazo de registro de candidatura, em agosto do
próximo ano, a defesa de Lula poderia reivindicar ao STJ (Superior
Tribunal de Justiça) que garanta a ele o direito de concorrer.
Especialistas afirmam que esse artigo, o
26-C, foi incluído adicionado na Lei 64/1990, para evitar que uma
decisão ainda passível de modificações produzisse um dano irreversível a
um candidato, ao excluí-lo da eleição.
Esse dispositivo, porém, traz uma
consequência adicional de peso para o caso criminal: ele precisaria ser
julgado com prioridade no STJ, à frente de outros casos pendentes há
mais tempo.
O procurador regional eleitoral Luiz
Carlos dos Santos Gonçalves, de São Paulo, prevê que o dispositivo seja
"muito decisivo" para a situação de Lula no próximo ano.
"Em caso de condenação, o assunto vai ser resolvido entre o TRF da 4ª Região e um relator no Superior Tribunal de Justiça."
Um dos idealizadores da Ficha Limpa,
Márlon Reis, ex-juiz e hoje advogado, afirma que o uso do artigo é
"raríssimo" porque o réu corre um risco ao reivindicá-lo: embora
eventualmente garanta a candidatura, pode ter uma decisão final
antecipada sobre seu caso criminal, já que o trâmite terá prioridade.
"Com essa liminar, ele [réu] atrai para
si uma velocidade que nenhum advogado de um condenado quer. É um preço
alto demais a pagar para participar de uma campanha", diz.
Gonçalves discorda e diz que
provavelmente não haveria tempo, antes da eleição e eventual posse, para
um julgamento definitivo do processo criminal. Com a posse, o
presidente ganha imunidade temporária em processos não relacionados ao
mandato.
O dispositivo acabou entrando na Lei da Ficha Limpa durante as negociações para a aprovação da lei pelos congressistas, em 2010.
"Tivemos a cautela de estabelecer uma
série de elementos que não tornassem a liminar [de suspensão da decisão
colegiada] desejável", afirma Márlon Reis.
Em 2014, o vereador do Rio César Maia
(DEM), então candidato a senador, conseguiu no STJ um efeito suspensivo
contra sua inelegibilidade que tinha sido provocada por decisão que o
condenou no Tribunal de Justiça do Rio em um caso de improbidade
administrativa -diferentemente do processo de Lula, não envolvia a
esfera criminal.
SORTEIO
Por envolver uma acusação criminal, esse
tipo de recurso não passaria pelo Tribunal Superior Eleitoral, mas sim
pelo STJ ou eventualmente o Supremo Tribunal Federal.
O procurador Gonçalves vê um ponto
adicional: a decisão de declarar ou não a suspensão da inelegibilidade, e
consequentemente autorizar a candidatura, caberia inicialmente a um
único ministro do STJ, o que aumenta o tom de incerteza sobre o assunto.
O juiz seria escolhido por sorteio.
"Se fosse um órgão colegiado do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade ficaria diluída."
Não haveria tempo, diz o procurador, para a questão chegar a ser discutida no Supremo antes da eleição.
"Não é um artigo decorativo [da lei]. Ele
vem sendo utilizado. Então, poderia ser usado no caso do
ex-presidente", diz Diogo Rais, pesquisador de direito eleitoral e
professor da Universidade Mackenzie, em São Paulo.
Ele também vê o dispositivo como uma das principais alternativas à defesa de Lula.
Se a condenação no TRF sair após o
registro da candidatura do ex-presidente, ele pode ser alvo de um
recurso por "inelegibilidade superveniente" e, em caso de vitória nas
urnas, não receber o diploma de eleito.