Torquato questiona abertura de inquérito contra o presidente
Novo titular da Justiça diz que investigação no STF instaurada por Fachin foi ‘fundada em um documento não periciado
Isadora Peron,
O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O novo ministro da Justiça e ex-titular da
Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, Torquato
Jardim, minimizou o fato de o presidente Michel Temer ter recebido na
noite de 7 de março, no Palácio do Jaburu, sem registrar na agenda
oficial, o empresário Joesley Batista, dono da JBS. Para ele, faz parte
da “cultura parlamentar” do presidente ser “afável e acessível a
qualquer hora e qualquer lugar”.
Em entrevista ao Estado na sexta-feira
passada, 26, antes da nomeação para a Justiça, Torquato defendeu o
“reexame”, no Supremo Tribunal Federal, da competência do ministro Edson
Fachin como relator do inquérito que investiga Temer. Ex-ministro do
Tribunal Superior Eleitoral, ele disse também que é “recomendável” que
haja um pedido de vista na retomada do julgamento da ação contra a chapa
Dilma-Temer. Procurado no domingo, o ministro não se manifestou.
A circunstância do encontro entre Temer e o empresário Joesley Batista não deveria ter sido mais transparente?
O presidente Temer foi procurador-geral do Estado de São Paulo,
secretário de Segurança do Estado de São Paulo, 24 anos parlamentar,
seis dos quais presidente da Câmara dos Deputados, então ele tem a
cultura parlamentar. A cultura do parlamentar é muito informal, ele
conversa com quem o procura, porque ele vive do voto. A imagem que
qualquer parlamentar tem que projetar é a da pessoa afável, acessível a
qualquer hora e qualquer lugar. Isso é da cultura de qualquer
parlamentar, em qualquer parlamento, de qualquer país.
Mas receber um empresário que está sendo
investigado, à noite, na residência oficial e fora da agenda, não abre
margem para questionamento?
A hora eu não me
preocupo porque o parlamentar, você sabe, começa a trabalhar meio-dia e
acaba as 2h. Você vai ao Congresso de manhã e está vazio, as sessões
duram até depois da meia-noite. Eu diria que a conduta do presidente não
foi algo estranho à cultura de um parlamentar.
E não foi algo estranho à cultura de um presidente?
Ele levou para a Presidência a cultura parlamentar. Os generais levaram
a cultura do quartel. Cada um leva o seu passado. O ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso era muito descontraído, ele levava a
familiaridade do parlamentar e do professor que pode a qualquer hora
conversar com os seus alunos. É uma questão de cultura.
O sr. não acha que isso deve mudar no futuro? A
regulamentação do lobby que o sr. tem defendido diz que o contato entre
parlamentares e empresários têm de seguir regras e ser pautado pela
transparência.
O presidente da República não é
servidor público, então não se aplica a ele regras ordinárias do serviço
público. É uma questão de cultura. Talvez tenha que mudar a cultura
para não se expor tanto.
Ele não deveria ter tido uma posição mais rigorosa diante das revelações de Joesley?
Não posso comentar sem o laudo técnico da fita. Se a fita tem 70
manipulações como fala um dos peritos, e é um perito famosíssimo, o
Molina (Ricardo Molina, contratado pela defesa do presidente Temer para
fazer uma análise dos áudios), então eu não sei se aquilo ali não é
montagem de diálogo, eu preciso esperar o laudo.
Mas se ficar comprovada uma atitude de omissão do presidente?
Eu não comento nada mais até chegar a fita.
Vai demorar 30 dias para a perícia da Polícia Federal ficar pronta...
O Brasil vai ter que esperar 30 dias, senão fica especulação, o assunto é muito sério para ter especulação.
O sr. acha que a gravação não é motivo para investigar o presidente?
Primeiro, precisa ficar esclarecido se o empresário, quando vai falar
com o presidente, se ele já estava comprometido com delação ou não. Se
ele foi por conta própria, essa gravação é clandestina e ilegal. Se ele
já estava em processo de delação, surge um outro problema constitucional
muito sério, já que uma ação controlada contra um presidente da
República tem que ter a autorização prévia de um ministro do Supremo
Tribunal Federal, e isso não houve, sabidamente não houve. Então, ela é
nula também. E mais, há abuso de autoridade, há crime funcional de quem
autorizou a gravação.
No caso, o responsável seria o procurador-geral da República, Rodrigo Janot?
Não sei, não sei quem autorizou, mas que há, há.
O sr. acha que o presidente vai conseguir terminar o mandato?
Vai. Nas próximas quatro semanas, até começar o recesso parlamentar,
teremos cinco peças fundamentais neste quebra-cabeça. A primeira é o
Congresso. Se o Congresso Nacional votar a reforma da Previdência, a
reforma trabalhista, e outros projetos da pauta econômica o presidente
terá mostrado que não perdeu a sua capacidade de governo
parlamentarista, manteve a parceria com o Congresso, uma conhecida marca
do seu governo. O segundo ponto é o julgamento do TSE. É muito
razoável, próprio e recomendável que haja um pedido de vista, é uma
matéria muito controvertida. É usual haver vista, é responsabilidade
pedir vista, é próprio do julgamento, não haverá nada de excepcional
nisso. Mas eu acredito que, apesar disso, antes do recesso de julho, o
tribunal tenha decidido o processo.
Quais são os outros pontos?
Também precisamos dar continuidade à recuperação da economia. E, como
eu já disse, esperar a chegada do laudo técnico sobre a fita que grava a
conversa do presidente Temer com o empresário. Aí é uma imensa
interrogação. E, por fim, é preciso haver o reexame no STF da
competência do relator desse inquérito, porque ele não é Petrobrás, ele
não é Lava Jato, e a prevenção do ministro Edson Fachin é de Petrobrás e
Lava Jato, e não para os demais inquéritos.
Por que a mudança do relator é importante?
Porque cada juiz tem a sua experiência. O juiz que recebe uma acusação
séria como essa, fundada em um documento não periciado... Muitos juízes
prefeririam primeiro ouvir a perícia antes de dar seguimento à ação.
O ministro Edson Fachin erra ao dar seguimento ao processo?
Essa afirmação é sua, não minha. Cada ministro tem a sua experiência.
Se vai para um ministro que já foi de primeira instância, ele terá outra
experiência, outra percepção de como tratar o processo. A mudança pode
ser relevante, ou não, mas é um ingrediente a ser observado.
Se Temer não conseguir vencer essas cinco barreiras, a permanência dele no cargo corre risco?
Isso é especulação, e especulação é justamente o que eu não faço. Eu
coloco os cinco ingredientes, e eles têm que ter um resultado, temos que
ver primeiro. Não é um dos cinco que vai resolver o todo, mas é a
combinação do resultado deles.
O sr. é muito próximo do presidente Temer. Tem conversado com ele? Ele está preocupado?
O pessoal é pessoal (leva a mão à boca e faz um gesto de silêncio).
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